Segredos. Traição. Disputa pelo poder. Um herói capaz de mudar o destino do mundo.
Pode parecer o enredo de um novo RPG da Square Enix, ou até mesmo a sinopse da nova temporada de “Game of Thrones”, mas é, de fato, um resumo (bem resumidão) da saga de nascimento do PlayStation - para muitos, o console mais revolucionário da história dos videogames.
Embora o lançamento do PS tenha acontecido só no final de 1994, a história dele começa bem antes, em 1988.
Amigos para sempre
Recuperado do assustador “Crash de 83”, o mundo era, ainda agora, dominado pelo NES, do alto de seu processador de 8-bits. Mas depois de 5 anos, a Nintendo já se preparava para lançar o tão aguardado sucessor de seu sistema de entretenimento: o Super NES.
Parte da “super capacidade” do novo console, aliás, já tinha a assinatura da Sony, ou melhor, daquele que viria a se tornar uma das mais importantes figuras da história da empresa japonesa: Ken Kutaragi, um ainda jovem engenheiro do departamento de pesquisa e desenvolvimento da Sony.
Sob encomenda da Nintendo, o poderoso chip de som SPC700 havia sido desenvolvido por Kutaragi, em segredo e sem nenhum consentimento da direção da Sony. Naquela época, a empresa se via como uma fabricante de produtos eletrônicos sofisticados, sem nenhuma aspiração para a fabricação de videogames, considerados aparelhos de menor valor.
Kutaragi acabou sendo descoberto por seus superiores e, não fosse a intervenção direta do presidente da Sony, Norio Ohga, teria perdido o emprego (o presidente já havia se tornado fã do garoto, peça chave no desenvolvimento de tecnologias como as telas de LCD e as câmera digitais, mesmo enquanto profissional recém formado).
Ohga não só manteve Kutaragi no cargo como patrocinou o projeto do SPC700.
Pensando bem…
O episódio fez com que a Sony mudasse de posição em relação aos videogames e, ainda em 1988, a empresa entrou em acordo com a Nintendo para desenvolver um drive de CD-ROM para o ainda não lançado SNES.
No acordo firmado entre as empresas, a Sony seria a única fabricante com direitos de licenciamento em relação ao conteúdo dos CDs. Uma cláusula que, certamente, deve ter incomodado a estabelecida Nintendo.
Paralelamente, a Sony passou a desenvolver o protótipo de um console próprio, que receberia, também, CDs e cartuchos de SNES: o Super Disc.
A Revelação
Foi em junho de 1991, poucos meses antes do lançamento do SNES nos EUA, que a confusa parceria entre as empresas desandou de vez. Na feira de tecnologia CES, em Chicago, a Sony anunciou, em primeira mão, seu primeiro console, rebatizado de Play Station. Sim, com um espaço entre as palavras.
O Play Station parecia já nascer grande, com subsidiárias da Sony, como a Sony Music e a Columbia Pictures, sendo apontadas como potenciais desenvolvedoras de conteúdo para o console.
Embora o anúncio devesse surpreender a Nintendo, a gigante japonesa se mostrou preparada para o golpe, e logo no dia seguinte, fez seu próprio anúncio, chocando indústria, desenvolvedores e, principalmente, a Sony.
A Nintendo não apenas negou suporte ao Play Station da Sony, como anunciou parceria com a holandesa Philips no desenvolvimento do drive de CD-ROM de seu SNES.
O golpe foi duplamente duro para a Sony que, anteriormente, havia trabalhado junto com a Philips no desenvolvimento da nova tecnologia dos CD-ROMs.
Discordâncias no projeto levaram as companhias à ruptura e transformaram-nas em grandes rivais.
Sony e Nintendo, em seguida, tomaram providências legais umas contra as outras. Tanto a fraqueza dos contratos da época quanto os interesses mútuos das empresas (Sony ainda planejava usar cartuchos de SNES e a Nintendo tinha os chips sonoros da Sony em seu projeto) acabaram por dar fim à disputa judicial, sem vitória para nenhum dos lados.
A mancha maior, no episódio, ficou do lado da Nintendo. Em um país tão fortemente influenciado pela honra e pelas raízes nacionais, a companhia havia abandonado uma empresa compatriota no lugar de uma rival estrangeira. O episódio não foi esquecido pela comunidade empresarial japonesa tão cedo.
Mudança radical, só que não
Reza a lenda que cerca de 200 unidades do Play Station foram de fato produzidas, mas, quase imediatamente, a Sony resolveu cancelar o projeto, provavelmente ainda afetada pelo golpe da Nintendo. O projeto de um console próprio deveria ser completamente revisto, a começar pelo nome. Foi aí que o Play Station se tornou… o PlayStation. Sem o espaço.
A genialidade de Ken Kutaragi, agora engenheiro-chefe do projeto, foi um dos pilares do desenvolvimento do console. Graças ao chamado “Sistema G”, que entre outras características privilegia a integração entre CPU e GPU, o PlayStation poderia renderizar imagens 3D em tempo real.
Da Nintendo, além da mágoa, a Sony também levou uma importante lição: o valor do software.
Enquanto no início dos anos 80 o fator crítico de sucesso havia sido o Controle Nintendo de Qualidade, o plano da Sony era ter o maior número de parcerias possíveis com estúdios de desenvolvimento de jogos. A empresa fechou impressionantes 250 parcerias de licenciamento só no Japão, antes do lançamento do PlayStation. Mais de 100 estúdios do resto do mundo foram somados a esse número, tempos depois.
Para atender ao número tão grande de produtoras, a Sony também inovou ao produzir um kit de desenvolvimento simplificado, compatível com qualquer computador pessoal. Cerca de 700 unidades do kit foram distribuídas em todo o mundo.
Revolução
Quase tanto tempo e trabalho foram dedicados ao periféricos do novo console quanto no próprio aparelho, especialmente no joystick.
O controle do PlayStation, além do design revolucionário que proporcionava muito mais conforto e controle aos jogadores, adicionou mais quatro botões de gatilho, na parte de cima do controle. Outro ponto específico do videogame da Sony que teve a assinatura do genial Ken Kutaragi.
Ao lado do controle, outro importante periférico lançado foi o Memory Card, um cartão de memória capaz de salvar jogos e dados de forma independente, que poderia ser levado pelos jogadores para qualquer lugar. Apesar de não ter sido um projeto inovador da Sony (o NeoGeo, lançado em 1990, já tinha um cartão muito parecido), o Memory Card ajudou o PlayStation a alcançar posição de destaque em todo o mundo.
Abriu a porteira!
O terreno estava pronto. Finalmente, em 3 de dezembro de 1994, o Sony PlayStation foi lançado no Japão, com sucesso instantâneo. Foram mais de 300 mil unidades vendidas, apenas no primeiro mês de vendas.
Antes de chegar às lojas norte-americanas, o console foi apresentado na E3 de 1995, em Los Angeles. Apesar de todos saberem que a feira não é uma competição, a Sony foi a vencedora da E3 naquele ano. Mais de US$ 4 milhões de dólares foram gastos no stand da companhia, que apresentou ao público jogos como "Ridge Racer", “WipeOut" e "Tekken". Para finalizar, ao melhor estilo “fabricante ostentação”, a Sony levou o Rei do Pop, Michael Jackson, para uma apresentação na feira. Who’s bad?
Em setembro de 1995, pelo preço de US$ 300, o PlayStation foi lançado nos EUA, já com mais de 100 mil unidades vendidas em pré-venda. Até o final de 1996, os números saltam para impressionantes 2 milhões de consoles vendidos nos EUA, e 7 milhões somando todo o resto do mundo. Quando foi descontinuado, em 2006, o PlayStation tinha números quase surreais de vendas: 103 milhões de consoles vendidos.
O Pai do PlayStation
Com o sucesso do console, a carreira de Ken Kutaragi decolou de vez. O engenheiro também assinou o desenvolvimento dos sucessos seguintes da Sony: PlayStation 2, PSP e PlayStation 3. O salário de Kutaragi também aumentou bastante nesse período, já que o outrora simples funcionário do departamento de pesquisa e desenvolvimento acumulou diversos cargos de prestígio na empresa ao longo dos anos, chegando à cadeira de presidente, CEO e presidente honorário da Sony.